sexta-feira, 15 de agosto de 2008

FEELING BLUE



Café da tarde numa esplanada do centro. Hoje apetecia-me sair de cá, para a praia ou para a serra, mas fica tudo longe demais. Porque estar aqui não está com nada. Fiquei ao ar livre mas o fumo incomoda-me.
O calor está impossível, devem estar perto de 40 graus. Hoje vesti a camisola azul a condizer com os sapatos bordados. Lembra-me Istambul. Até o calor me lembra Istambul. Olho o papel, abstraio-me do que me rodeia, e vejo-me na rua principal, as lojas abertas, aquele miúdo tão giro que vendia copos de água, as miúdas tão vestidas. Ricas, roupas caríssimas, bordadas e lindas. E elas tapadas. Aquela com o véu preto, nem os olhos se lhe viam, só as pontas dos dedos em mãos com luvas de renda. Os gays de mão dada, tão bonitos e tão bem vestidos. E no entanto, ali, longe de tudo, não me senti só.

Hoje sim. Estou aqui na esplanada rodeada de gente, e por isso me sinto mais só. Ainda hoje não falei com ninguém nem prevejo que venha a falar. Com excepção, claro, da menina a quem acabei de pedir um café.
Hoje estou toda entregue à minha dor. As conversas das mesas ao lado chegam-me confusas e distantes. Vejo o agosto a fugir-me, nem trabalhei nem me diverti. Vagueio pela vida sem propósito nem destino. Não vivo, vejo os dias passar. E eles passam e não trazem nada de novo. Passam depressa, trazem no ventre o setembro dos dias difíceis.

As pessoas que passam parecem contentes mas não felizes. À minha volta, conversas de circunstância, não há nada para fazer em Braga. Hoje, até os turistas abandonaram a cidade. Ou, fugindo deste calor abafado e inerte, refugiaram-se nos seus quartos fresquinhos, de onde sairão ao final da tarde. Ou fugiram para o Bom Jesus, seguindo o exemplo dos bracarenses em dias de verão.
Hoje é sábado – como diria o Vinícius. Olho para a menina que me atendeu e penso como deve ser difícil usar calças compridas pretas e um avental preto, grosso, por cima. Já não lhe bastava o trabalho de andar de um lado para o outro, com tabuleiros pesados das bebidas... E deu-me um sorriso tão bonito!!!
Bem, afinal vim para aqui porque não consegui ficar em casa. Se ficasse, ia fechar todas as janelas e dormir. Mas dormir para acordar num outro tempo, num outro lugar, numa outra vida. Que dormir de dia, apenas dormir, é um desperdício de tempo.
Hoje senti necessidade de escrever no papel, ocupar as mãos, nesta cumplicidade entre a caneta e o papel. Ver as palavras a serem criadas à medida das minhas ideias, nem sempre as conseguindo acompanhar.

Estou mal, muito mal mesmo. Tenho um nó na garganta e um aperto no peito. Mas não é por ninguém, é mesmo por mim. Hoje vejo as pessoas em cadeiras de rodas e já não penso na sorte que tenho. Hoje, estou egoísta. Hoje, sou eu e a minha dor, e é essa dor que me faz sentir viva. Durante os últimos meses andei muito ocupada. Agora, de há uns tempos, arrasto-me. Não faço nada e sinto-me mal com isso. Fico a pensar na vida, já tão longa mas ainda tão curta. Volta aquela saturação de uma vida sempre igual, em que o melhor é sentar-me no meu sofá e falar com gente que nunca vi e vive longe, com quem o único contacto é através da net. Pessoas que me fazem companhia, com quem posso falar de coisas divertidas ou sérias, conhecer outras realidades, faladas por quem as vive.

Estou cansada, muito cansada. dói-me a cabeça, com o barulho e o stress. Só passou uma hora e parece-me uma eternidade. Só me resta voltar para casa, ficar por ali meio às escuras, sem força para fazer nada. O resto, fica para amanhã, se o amanhã existir para mim.

5 comentários:

TT disse...

Um texto muito bonito, muito vivido e muito diferente dos anteriores publicados. Na minha opinião o melhor que já escreveu!

Quanto ao contiúdo... Eu sei que pode achar que não sou ninguém, mas sei exactamente o que está a sentir. Farta de uma vida igual? Aprendi que OS MOMENTOS MÁXIMOS SÃO OS QUE EXIGEM O MÍNIMO!

mv disse...

olá TT, obrigada por tão boa crítica, sei que é sentida. E porque dizes q eu até posso achar que não és ninguém?? Achas?? que disparate...
Fiquei agradavelmente surpreendida pelo teu conselho, até nos comentários fazes poesia. Obrigada

Fatima Freitas disse...

Eu LI e RELI e não consegui expressar o que senti!Só sei que me revi em todas as palavras e, neste momento, sinto-me ASSIM.
Não querendo "copiar" a TT, concordo com tudo o que ela disse e acrescento que não me surpreendeu! Já tinha percebido que no dia em que deixasses os outros partilhar o que escreves, irias denunciar a alma inquieta que és e como podes ser uma poetisa! Espero mais...

urtigax disse...

Mas nunca se vive demasiado a sempre coisas que fazer a coisas para serem feitas... uma pessoa tem é de ter vontade... contactar amigos que ja nao vemos... ler... ver filmes tu serve nunca ninguem ja fez tudo... é preciso procurar prazeres novos e os prazeres so aparecem se fizermos alguma coisas

Sónia Fernandes disse...

LINDO!
Adorei...estás de parabéns!
Sentido e demasiadamente verdadeiro.
Podes continuar....vale a pena voltar a ler e reler.
Fica bem! ;)